Como Jogar Dinheiro Fora com Treinamentos
A maior dificuldade que vejo atualmente nos programas de treinamento corporativo é a dificuldade que as empresas têm para converter conceitos, teorias, modelos e técnicas em ações práticas, concretas, valiosas e mensuráveis. Por exemplo, a organização tipicamente contrata uma consultoria para desenvolver ou aplicar um treinamento em, digamos, negociação, por exemplo. Se a sua empresa for semelhante à maioria, talvez entre 10% e 15% dos conceitos sejam de fato aplicados à realidade do dia-a-dia daquele público que participou do treinamento.
Outra situação que ocorre com muita frequência é o chamado “Efeito de Atenuação” – especialmente visível em eventos de desenvolvimento pontuais, como palestras, por exemplo. Tipicamente, as pessoas que participam desses eventos saem bastante sensibilizadas – algumas emocionadas até. Porém, com o passar do tempo, ocorre a atenuação progressiva dos impactos e os comportamentos das pessoas tendem a voltar a ser o que eram antes da palestra num período espantosamente curto: de poucos dias a uma semana!
Cabe perguntar: qual o retorno sobre o investimento dessas ações de desenvolvimento? Como as empresas poderiam garantir a aplicação e a sustentabilidade das mudanças experimentadas durante os programas de treinamento? Por que o comportamento das pessoas que passam por treinamentos – notadamente os de natureza comportamental (como liderança, negociação, comunicação, tomada de decisão etc.) não apresentam impacto consistente nos processos e resultados da empresa
Hipóteses para Reflexão Bem, vamos levantar algumas hipóteses. Na primeira delas, obviamente, podemos questionar a própria validade dos modelos e teorias aplicados. De fato, há muitos treinamentos baseados em conhecimentos desatualizados e até mesmo cientificamente questionáveis, empacotados com nomes pomposos, frequentemente adornados com o prefixo “neuro” e enobrecidos com o sufixo “estratégico(a)”. Sabe do que estou falando?
Uma segunda hipótese refere-se à qualidade e consistência do próprio trainer: há muitos profissionais despreparados (tanto em relação à didática quanto em relação ao conteúdo) ministrando treinamentos. Você certamente já participou de processos nos quais havia algo errado com o treinador: não apresentava liderança sobre a turma, não demonstrava convicção sobre o tema que defendia, carecia da fina habilidade de manejar um processo de ensino-aprendizagem, apresentava-se inepto para desviar-se um milímetro sequer de sua programação (“powerpoint stupidity”), não conseguindo estabelecer pontes com a prática, fazer extrapolações e conexões com outros modelos e situações reais etc.
A terceira hipótese relaciona-se com o chamado “modelo de entrega”. O processo de treinamento (seu design instrucional, exercícios e vivências) são inadequados ao público para o qual se destinam. Técnicas e dinâmicas batidas, praticamente inúteis do ponto de vista didático-andragógico ou simplesmente mal projetadas para proporcionar a conversão teoria-prática na mente e no comportamento dos participantes. Um exemplo disso são os “estudos de caso” que pouco ou nada têm a ver com o mundo em que vivemos ou mesmo as dinâmicas que, ao invés de serem lúdicas, são infantilizantes (quem já não teve que “abraçar uma árvore” ou agarrar novelos de lã jogados por outro infeliz participante nesses geniais eventos?).
A quarta hipótese diz respeito ao follow-up. Quase nenhum treinamento prevê uma avaliação e acompanhamento de médio prazo para que, por meio de um coaching de equipe, discutam-se as dificuldades de implementação e as possibilidades de inovação e customização dos processos experimentados durante o período de treinamento. Isso acaba ocorrendo porque poucas empresas reconhecem a natureza experimental do campo de atuação cotidiano dos processos organizacionais, o que bloqueia as possibilidades de inovação interna.
Considero que essas quatro hipóteses, embora reconheça não serem as únicas, constituem-se nas mais salientes em termos de poder de explicação da falta de efetividade dos programas de desenvolvimento aplicados nas organizações. Agora, responda com sinceridade: quer melhorar os indicadores de impacto dos treinamentos na sua empresa (supondo que, pelo menos já tenha indicadores para isso…)? Então, pare de aplicar meras avaliações de reação após cada treinamento e comece a estudar seriamente as causas da inefetividade dos mesmos por meio de uma investigação qualitativa profunda e consistente dessas quatro hipóteses e estanque a perda de recursos com ações de baixo impacto no desenvolvimento dos seus colaboradores.
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